segunda-feira, 27 de junho de 2011

Ruas da Infância

A professora dizia que a rua tinha aquele nome em homenagem a um grande homem, digno de ser imitado.
Nós a ouvíamos meio duvidosos. Para nós a rua era do pipoqueiro, do sorveteiro, do vendedor de algodão doce, do velho contador de estórias. De alguém que nos significasse muito, era o nome da rua. A praça não tinha nome, era da molecada toda. No futebol as coisas mudavam: Rua de baixo x Rua de cima. As peladas eram na praça, atrás da igreja velha. Quando uma das turmas perdia na bola, tinha que ganhar no braço.
Minha rua era a de baixo. Casas velhas, sem pintura, algumas sem reboco. Cidadezinha que não coube no mapa, mas que transborda no meu coração.
Depois da rua de baixo, a cidade acabava e o rio nascia. No rio nadávamos, pescávamos. Para aprender a nadar bem, comíamos peixinhos vivos. Quando matavam porco, púnhamos restos da barrigada num balaio e os peixes vinham comer. Um dia, um cágado entrou no balaio e foi o nosso maior dia. Desfilamos com ele por todas as ruas. Depois passou a novidade e ele passou a morar só em nossa rua, uma semana em cada casa, até morrer.
Depois a gente cresceu e ficava feio brincar de esconder, jogar bolinha de vidro na toca, fazer açudinho com água da chuva, nadar pelado. Já se falava em namoradas.
O tempo passou, a turma se dissolveu. Caminho por movimentadas ruas de uma cidade grande, mas levo comigo as ruas da infância. Me disseram que estão cheias de buracos, viraram pastos, as casas estão caindo velhas. Mentiras, feias são minhas ruas de hoje, tristes ruas de adultos, sem mistério ou esperança.

(Elias José,Ruas da Infância)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Cidade Minha

Oh cidade minha
Que me abrigou, que me viu crescer
Nas suas esquinas, ruas largas e estreitas
Da minha escola de infância e juventude
Dos postes de madeira, do mercado de vila, da padaria
Nos passeios a pé até a estação da Fepasa
Nas idas e vindas, pedalando de bicicleta
Na pracinha central, em noite de inverno
Dedilhando meu violão
Cidade Minha, Minha Cidade
Abrigo dos meus sonhos de mocidade
Paixão da minha infância
Amor da minha vida
Mesmo esquecida por muitos
Ela é minha, somente minha

Paulo Farias

Velha Casa do Sertão

Já são cinco da manhã
Não possuo despertador, mas tenho um galo cantor
Mas de tão acostumado em acordar cedo, ele é apenas um anunciador do novo dia
A casa velha guarda grandes lembranças
Lembranças de gerações que nela repousaram
As paredes velhas, corroídas pelo tempo
Os quartos em grande número, mas vazios, todos já se mudaram
A velha sala com uma grande mesa no centro fica sempre vazia
O quartinho da dispensa, agora só guarda poeira e um velho baú
O fogão de lenha que tanta comida boa fez
Não mais existe
Agora são só ruínas, ruínas esquecidas
Assim era a casa do meu avô, que também já se mudou; foi pro céu

Paulo Farias

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A Estranha Felicidade

A felicidade é uma desconhecida
E uma dama elegante que passa, nos encanta mas se vai
A mais bela das ondas marinhas, cuja intensidade de sua beleza é tão tênue quanto sua duração
Como um pôr do sol, belissimo, que acontece todos os dias, mas são poucos os que o vêem
Como uma chuva que rega a terra seca, mas que se vai e tarda em voltar
A felicidade existe, não duvido
Mas não a reconheço
Tenho certeza que ja passou por mim
Não sei se foi uma passagem rapida ou demorada
Nem sequer sei se ela está aqui neste momento
Seu disfarce é tão perfeito, que não consigo reconhecê-la

Paulo Farias

sexta-feira, 24 de abril de 2009

A Viagem de Trem

Nossa vida é:
como uma viagem de trem, cheia de embarques e
desembarques, de pequenos acidentes pelo caminho, de
surpresas agradáveis com alguns embarques e de
tristezas com os desembarques...

Quando nascemos, ao embarcarmos nesse trem,
encontramos duas pessoas que, acreditamos, farão
conosco a viagem até o fim:
Nossos pais. Não é verdade?

Infelizmente, em alguma estação eles
desembarcam, deixando-nos órfãos de seus carinhos,
proteção, amor e afeto.

Muitas pessoas tomam esse trem a passeio.
Outros fazem a viagem experimentando somente tristezas.
E no trem há, também, pessoas que passam de vagão a vagão,
prontas para ajudar a quem precisa. Muitos descem e
deixam saudades eternas.

Outros tantos viajam no trem de tal forma que, quando desocupam seus assentos,
ninguém sequer percebe.
Curioso é considerar que alguns passageiros que nos são tão caros, acomodam-se em vagões diferentes do nosso.
Isso obriga a fazer essa viagem separados deles.
Mas claro que isso não nos impede de, com grande dificuldade, atravessarmos
nosso vagão e chegarmos até eles.
O difícil é aceitarmos que não podemos nos assentar ao seu lado, pois outra pessoa estará ocupando esse lugar.

Essa viagem é assim:
cheia de atropelos, sonhos, fantasias, esperas, embarques e desembarques.
Sabemos que esse trem jamais volta.
Façamos, então, essa viagem, da melhor maneira possível, tentando manter um bom relacionamento com todos os passageiros, procurando em cada um deles o que tem de melhor, lembrando sempre que, em algum momento do trajeto, poderão fraquejar e, provavelmente, precisaremos entender isso.

Nós mesmos fraquejamos algumas vezes.
E, certamente, alguém nos entenderá.
O grande mistério, afinal, é que não sabemos em qual parada desceremos.

E fico pensando:
quando eu descer desse trem sentirei saudades? Sim. Deixar meu filho viajando nele sozinho será muito triste.
Separar-me de alguns amigos que nele fiz, do amor da minha vida,
será para mim dolorido. Mas me agarro na esperança de que, em
algum momento, estarei na estação principal, e terei a emoção de vê-los chegar com sua bagagem, que não tinham quando desembarcaram.

E o que me deixará feliz é saber que, de alguma forma, posso ter colaborado
para que ela tenha crescido e se tornado valiosa.
Agora, nesse momento, o trem diminui sua velocidade para que embarquem e desembarquem pessoas. Minha expectativa aumenta, à medida que o trem vai
diminuindo sua velocidade... Quem entrará? Quem saíra?

Eu gostaria que você pensasse no desembarque do trem, não só como a representação da morte, mas, também, como o término de uma história, de algo que duas ou mais pessoas construíram e que, por um motivo íntimo,
deixaram desmoronar.

Fico feliz em perceber que certas pessoas, como nós, têm a capacidade de reconstruir para recomeçar. Isso é sinal de garra e de luta, é saber viver, é tirar o
melhor de "todos os passageiros". Agradeço a Deus por você fazer parte da minha viagem, e por mais que nossos assentos não estejam lado a lado, com certeza,
o vagão é o mesmo.

Silvana Duboc

Rua das Rimas


A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino

é uma rua de poeta, reta, quieta, discreta,

direita, estreita, bem feita, perfeita,

com pregões matinais de jornais, aventais nos portais, animais e varais nos quintais;

e acácias paralelas, todas elas belas, singelas, amarelas,

douradas, descabeladas, debruçadas como namoradas para as calçadas;

e um passo, de espaço a espaço, no mormaço de aço laço e basso;

e algum piano provinciano, quotidiano, desumano,

mas brando e brando, soltando, de vez em quando,

na luz rara de opala de uma sala uma escala clara que embala;

e, no ar de uma tarde que arde, o alarde das crianças do arrabalde;

e de noite, no ócio capadócio,

junto aos lampiões espiões, os bordões dos violões;

e a serenata ao luar de prata (Mulata ingrata que me mata...);

e depois o silêncio, o denso, o intenso, o imenso silêncio...

A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino pequenino

é uma rua qualquer onde desfolha um malmequer uma mulher que bem me quer

é uma rua, como todas as ruas, com suas duas calças nuas,

correndo paralelamente, como a sorte indiferente de toda gente, para a frente,

para o infinito; mas uma rua que tem escrito um nome bonito, bendito, que sempre repito

e que rima com mocidade, liberdade, tranqüilidade: RUA DA FELICIDADE...


Guilherme de Almeida


Endereço das Cinco Marias

Sou o tipo acabado do sujeito
que não arranja nada nesta vida.

Gosto de cinco Marias nesta vida.



A primeira tinha uma pinta na cara,
eu adorava aquela pinta.
Maria do Rosário jurava pela alma da mãe dela
que só havia de casar comigo.
Um belo dia apareceu um tenente
que usava polainas e dançava com muito garbo.
Foi conta:
ela fugiu pra São Paulo com o tenente
e me deixou na mão.

A segunda,
Maria do Carmo,
era uma pequena dos bons tempos
que a gente conversava no portão a noite,
romântica de olhos pretos não gostava de bailes.
Aquela sim,
mas apanhou um resfriado de tanto conversar comigo no portão
e bateu a bota.

Lá está num cemitério em Belorizonte
onde tem muita paisagem.

As três Marias restantes estão no céu.

Murilo Mendes